"Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças…"
Miguel Torga
quarta-feira, 30 de dezembro de 2015
segunda-feira, 28 de dezembro de 2015
Amei as Desaparições
"Amei as desaparições e agora o último rosto saiu de mim.
Antonio Gamoneda
"Livro do Frio"
Atravessei as cortinas brancas:
já só há luz dentro dos meus olhos."
já só há luz dentro dos meus olhos."
Antonio Gamoneda
"Livro do Frio"
quarta-feira, 23 de dezembro de 2015
Remorso em Fato de Noite
"Pela rua de névoa vai um homem cinzento;
Mas ninguém o suspeita. É um corpo vazio;
Vazio como pampa, como mar, como vento
Desertos tão amargos sob um céu implacável.
É o tempo passado, suas asas agora
Encontram entre a sombra uma pálida força;
É o remorso que, de noite, hesitando,
Em segredo aproxima sua sombra sem cuidado.
Não lhe apertes a mão. A hera altivamente
Subirá a cobrir os troncos do inverno.
Invisível na calma segue o homem cinzento.
Vós não sentis os mortos? Mas a terra está surda."
Luis Cernuda
"Antologia Poética"
(trad José Bento)
Mas ninguém o suspeita. É um corpo vazio;
Vazio como pampa, como mar, como vento
Desertos tão amargos sob um céu implacável.
É o tempo passado, suas asas agora
Encontram entre a sombra uma pálida força;
É o remorso que, de noite, hesitando,
Em segredo aproxima sua sombra sem cuidado.
Não lhe apertes a mão. A hera altivamente
Subirá a cobrir os troncos do inverno.
Invisível na calma segue o homem cinzento.
Vós não sentis os mortos? Mas a terra está surda."
Luis Cernuda
"Antologia Poética"
(trad José Bento)
Eternidade
"A vida passa lá fora,
Ou na pressa de uma roda,
Ou na altura de uma asa,
Ou na paz de uma cantiga;
E vem guardar-se num verso
Que eu talvez amanhã diga"
Miguel Torga
Ou na pressa de uma roda,
Ou na altura de uma asa,
Ou na paz de uma cantiga;
E vem guardar-se num verso
Que eu talvez amanhã diga"
Miguel Torga
terça-feira, 22 de dezembro de 2015
Dia de Natal
"Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.
Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.
De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.
Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.
Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.
A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.
Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.
Ah!!!!!!!!!!
Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.
Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.
Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.
Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas."
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.
Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.
De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.
Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.
Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.
A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.
Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.
Ah!!!!!!!!!!
Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.
Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.
Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.
Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas."
Antonio Gedeão
domingo, 13 de dezembro de 2015
Renúncia
"Chora de manso e no íntimo... Procura
Curtir sem queixa o mal que te crucia:
O mundo é sem piedade e até riria
Da tua inconsolável amargura.
Só a dor enobrece e é grande e é pura.
Aprende a amá-la que a amarás um dia.
Então ela será tua alegria,
E será, ela só, tua ventura...
A vida é vã como a sombra que passa...
Sofre sereno e de alma sobranceira,
Sem um grito sequer, tua desgraça.
Encerra em ti tua tristeza inteira.
E pede humildemente a Deus que a faça
Tua doce e constante companheira..."
Manuel Bandeira
Curtir sem queixa o mal que te crucia:
O mundo é sem piedade e até riria
Da tua inconsolável amargura.
Só a dor enobrece e é grande e é pura.
Aprende a amá-la que a amarás um dia.
Então ela será tua alegria,
E será, ela só, tua ventura...
A vida é vã como a sombra que passa...
Sofre sereno e de alma sobranceira,
Sem um grito sequer, tua desgraça.
Encerra em ti tua tristeza inteira.
E pede humildemente a Deus que a faça
Tua doce e constante companheira..."
Manuel Bandeira
sexta-feira, 11 de dezembro de 2015
Alotropia
"Parar o tempo,
manejá-lo,
substância dócil,
reversível.
Alotropia verbal
sem duração,
pura escolha
da memória."
João José Cochofel
manejá-lo,
substância dócil,
reversível.
Alotropia verbal
sem duração,
pura escolha
da memória."
João José Cochofel
"Uma Rosa no Tempo"
quarta-feira, 9 de dezembro de 2015
Confissão
"Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!"
Mario Quintana
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!"
Mario Quintana
"Velório sem defunto"
segunda-feira, 7 de dezembro de 2015
Biografia
"Sonho, mas não parece.
Nem quero que pareça.
É por dentro que eu gosto que aconteça
A minha vida.
Íntima, funda, como um sentimento
De que se tem pudor.
Vulcão de exterior
Tão apagado,
Que um pastor
Possa sobre ele apascentar o gado.
Mas os versos, depois,
Frutos do sonho e dessa mesma vida,
É quase à queima-roupa que os atiro
Contra a serenidade de quem passa.
Então, já não sou eu que testemunho
A graça
Da poesia:
É ela, prisioneira,
Que, vendo a porta da prisão aberta,
Como chispa que salta da fogueira
Numa agressiva fúria se liberta."
Miguel Torga
Nem quero que pareça.
É por dentro que eu gosto que aconteça
A minha vida.
Íntima, funda, como um sentimento
De que se tem pudor.
Vulcão de exterior
Tão apagado,
Que um pastor
Possa sobre ele apascentar o gado.
Mas os versos, depois,
Frutos do sonho e dessa mesma vida,
É quase à queima-roupa que os atiro
Contra a serenidade de quem passa.
Então, já não sou eu que testemunho
A graça
Da poesia:
É ela, prisioneira,
Que, vendo a porta da prisão aberta,
Como chispa que salta da fogueira
Numa agressiva fúria se liberta."
Miguel Torga
sábado, 5 de dezembro de 2015
Sinopse
"Breve,
o botão que foste
e o pudor de sê-lo.
Breve,
o laço vermelho
dado no cabelo.
Breve,
a flor que abriu
- e o sol mudou.
Breve
tanto sonho findo
que a vida pisou."
João José Cochofel
"Breve"
o botão que foste
e o pudor de sê-lo.
Breve,
o laço vermelho
dado no cabelo.
Breve,
a flor que abriu
- e o sol mudou.
Breve
tanto sonho findo
que a vida pisou."
João José Cochofel
"Breve"
quarta-feira, 2 de dezembro de 2015
No Silêncio dos Olhos
"Em que língua se diz, em que nação,
Em que outra humanidade se aprendeu
A palavra que ordene a confusão
Que neste remoinho se teceu?
Que murmúrio de vento, que dourados
Cantos de ave pousada em altos ramos
Dirão, em som, as coisas que, calados,
No silêncio dos olhos confessamos?"
José Saramago
"Os Poemas Possíveis"
Em que outra humanidade se aprendeu
A palavra que ordene a confusão
Que neste remoinho se teceu?
Que murmúrio de vento, que dourados
Cantos de ave pousada em altos ramos
Dirão, em som, as coisas que, calados,
No silêncio dos olhos confessamos?"
José Saramago
"Os Poemas Possíveis"
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