"Nasceu e não soube. Respondeu e não falou
As almas surpreendidas olham-te
quando não passas. O vento não cumpre nunca.
Teu pensamento a sós cai lentamente.
Como as fenecidas folhas caem e voltam
a cair, se o vento as dispersar.
Enquanto as espera a sóbria terra,
aberta. Calado o coração, mudos os olhos,
teu pensamento desfaz-se vagaroso
no ar. Movido suavemente. Um som de ramos
finais, um esvaído sonho de ouros vivos
se esparge… as folhas vão caindo."
Vicente Aleixandre
"poemas de la consumación"
sexta-feira, 29 de abril de 2016
segunda-feira, 18 de abril de 2016
Litania da Sombra
"Não perguntem nada: nós estamos dentro
do aro de frio, no frio do muro,
tão longe, tão longe da feira do Tempo!
Não perguntem nada.
Nós estamos mudos.
Puseram açaimes nas ventas do vento,
ergueram açudes nas águas do Mar…
Não perguntem nada: nós estamos dentro,
ou fora de tudo.
Não perguntem nada.
Tumulto na estrada? O bicho na concha.
Miséria na casa? O farol na montra.
Não perguntem nada, não perguntem nada:
há sempre de gládios
a ríspida sombra.
Não perguntem nada: as razões são longas.
Não perguntem nada: as razões são tristes.
Não perguntem nada: nós estamos contra.
E talvez perdidos.
E talvez perdidos."
David Mourão Ferreira
"Memoriam Memoriae"
do aro de frio, no frio do muro,
tão longe, tão longe da feira do Tempo!
Não perguntem nada.
Nós estamos mudos.
Puseram açaimes nas ventas do vento,
ergueram açudes nas águas do Mar…
Não perguntem nada: nós estamos dentro,
ou fora de tudo.
Não perguntem nada.
Tumulto na estrada? O bicho na concha.
Miséria na casa? O farol na montra.
Não perguntem nada, não perguntem nada:
há sempre de gládios
a ríspida sombra.
Não perguntem nada: as razões são longas.
Não perguntem nada: as razões são tristes.
Não perguntem nada: nós estamos contra.
E talvez perdidos.
E talvez perdidos."
David Mourão Ferreira
"Memoriam Memoriae"
quinta-feira, 14 de abril de 2016
Agenda
"Folheio a vida
Num calendário velho.
Dias riscados, como contas pagas.
Domingos de repouso,
Segundas de trabalho
Sábados de cansaço,
Sem nenhum sentido.
No abismo do nada,
O nada, apenas.
Quem sofreu nestas páginas vazias,
Tão frias,
Tão serenas?"
Miguel Torga
"diário X"
Num calendário velho.
Dias riscados, como contas pagas.
Domingos de repouso,
Segundas de trabalho
Sábados de cansaço,
Sem nenhum sentido.
No abismo do nada,
O nada, apenas.
Quem sofreu nestas páginas vazias,
Tão frias,
Tão serenas?"
Miguel Torga
"diário X"
É tudo tão Pequeno esta Manhã.
"É tudo tão pequeno esta manhã.
As aves acordaram surpreendidas,
a voarem nos meus olhos
curvas fatigadas
de Primavera morta…
As mãos caem-me secas
ao longo do corpo
em folhas recortadas
de árvore de solidão…
As raízes sugam-me nas veias
o sangue da terra
das manhãs de sussurro…
Sim. Hoje só eu existo…
Eu com este remorso de gota de água
que se recusa a cair no mar
─ para se sentir maior
longe da cólera comum da Tempestade."
José Gomes Ferreira
"Poesia II"
As aves acordaram surpreendidas,
a voarem nos meus olhos
curvas fatigadas
de Primavera morta…
As mãos caem-me secas
ao longo do corpo
em folhas recortadas
de árvore de solidão…
As raízes sugam-me nas veias
o sangue da terra
das manhãs de sussurro…
Sim. Hoje só eu existo…
Eu com este remorso de gota de água
que se recusa a cair no mar
─ para se sentir maior
longe da cólera comum da Tempestade."
José Gomes Ferreira
"Poesia II"
Se for Nevar
"Se for nevar, ficaremos
como quem espera a neve
– no intervalo sonolento
aonde somente cresce
estar esse alguém perdendo,
não o ver, o que o sustente.
Recolheu-se já o vento.
E encostou recolher-se
ao sono. Que, desde dentro,
puxou o sono por esse
pensar cada vez mais lento,
do intervalo aonde cresce."
Fernando Echevarría
"Geórgicas"
como quem espera a neve
– no intervalo sonolento
aonde somente cresce
estar esse alguém perdendo,
não o ver, o que o sustente.
Recolheu-se já o vento.
E encostou recolher-se
ao sono. Que, desde dentro,
puxou o sono por esse
pensar cada vez mais lento,
do intervalo aonde cresce."
Fernando Echevarría
"Geórgicas"
terça-feira, 12 de abril de 2016
Viagem
"Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar."
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar."
António Gedeão
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