sábado, 7 de fevereiro de 2015

Ponto de orvalho

"Nem se chega a saber como 
um inusitado sorriso, 
um volver de olhos doentes, 
um caminhar indeciso 
e cego por entre as gentes, 
chamam a si, aglutinam, 
essa dor que anda suspensa 
( e é dor de toda a maneira) 
como o vapor se condensa 
sobre núcleos de poeira. 
É essa angústia latente 
boiando no ar parado 
como um trovão iminente, 
que em muda voz se pressente 
num simples olhar trocado. 
Essa angústia universal, 
esse humano desespero, 
revela-se num sinal, 
numa ferida natural 
que rói com lento exagero. 
Não deita sangue nem pus, 
não se mede nem se pesa, 
não diz, não chora, não reza, 
não se explica nem traduz. 
A gente chega, respira, 
olha, sorri, cumprimenta, 
fala do frio que apoquenta 
ou do suor que transpira, 
e pronto, sem saber como, 
inútil, seco, vazio, 
cai na penumbra do rio, 
emerge, boia, soçobra, 
fácil e desinteressado 
como um papel que se dobra 
por onde já foi dobrado." 

 António Gedeão

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